A REVOLUÇÃO SOCIALISTA E A LUTA PELA DEMOCRACIA

A REVOLUÇÃO SOCIALISTA E A LUTA PELA DEMOCRACIA
V. I. Lênin

" A revolução socialista não é um ato único, uma batalha única numa só frente, é toda uma época de agudos conflitos de classes, uma longa sucessão de batalhas em todas as frentes, isto é, em todas as questões de economia e de política, batalhas que não podem cessar senão pela expropriação da burguesia. É um erro capital pensar que a luta pela democracia é susceptível de desviar o proletariado da revolução socialista ou eclipsar esta, atenuá-la, etc. Pelo contrário, da mesma maneira que é impossível conceber um socialismo vitorioso que não realizasse a democracia integral, também o proletariado não se pode preparar para a vitória sobre a burguesia se não travar uma luta geral, sistemática e revolucionária pela democracia.
Um erro não menos grave seria o de suprimir um dos parágrafos do programa democrático, por exemplo o que concerne ao direito de as nações disporem do seu próprio destino, sob o pretexto de que esse direito seria "irrealizável" ou "ilusório" na época do imperialismo. A afirmação segundo a qual o direito das nações à autodeterminação é irrealizável no quadro do capitalismo pode ser entendida quer num sentido absoluto, econômico, quer num sentido relativo, político.
No primeiro caso, esta afirmação é fundamentalmente errônea do ponto de vista teórico. Primeiro, são irrealizáveis neste sentido, em regime capitalista, por exemplo a moeda de trabalho ou a supressão das crises, etc. mas é absolutamente falso que o direito de as nações disporem do seu próprio destino seja igualmente irrealizável. Segundo, o exemplo da separação da Noruega da Suécia, em 1905 [1], é só por si suficiente para refutar este "caráter irrealizável" entendido neste sentido. Terceiro, seria ridículo negar que uma pequena mudança da correlação de forças políticas e estratégicas, por exemplo entre a Alemanha e a Inglaterra, tornaria hoje ou amanhã perfeitamente "realizável" a formação de novos Estados: polaco, indiano, etc. Quarto, o capital financeiro, com a sua tendência para a expansão, comprará e subornará "livremente" o mais livre governo democrático e republicano e os funcionários eleitos de qualquer país, por mais "independente" que seja. A dominação do capital financeiro, como a do capital em geral, não poderá vir a ser eliminada por qualquer transformação que seja no domínio da democracia política; ora, a autodeterminação relaciona-se inteira e exclusivamente com este domínio. Mas esta dominação do capital financeiro de modo algum vai abolir a importância da democracia política como forma mais livre, mais ampla e mais clara da opressão de classe e da luta de classes. É por isso que todos os raciocínios que apresentam como "irrealizável", do ponto de vista econômico, uma das reivindicações da democracia política em regime capitalista procedem de uma definição teoricamente falsa das relações gerais e fundamentais entre o capitalismo e a democracia política em geral.
No segundo caso, esta afirmação é incompleta e inexata. Porque não é somente o direito das nações disporem do seu próprio destino, mas todas as reivindicações fundamentais da democracia política que, na época do imperialismo, não são "realizáveis" senão incompletamente, sob um aspecto truncado e a título inteiramente excepcional (por exemplo a separação da Noruega da Suécia, em 1905). A reivindicação da emancipação imediata das colônias, formulada por todos os sociais-democratas revolucionários, é, ela também, "irrealizável" em regime capitalista sem toda uma série de revoluções. Isso de modo nenhum leva, todavia, à renúncia por parte da social-democracia da mais decidida e imediata luta por todas estas reivindicações - essa renúncia faria pura e simplesmente o jogo da reação - muito pelo contrário, daí decorre a necessidade de formular todas estas reivindicações e fazê-las cumprir não como reformistas, mas como revolucionários; não contentando-nos com intervenções parlamentares e protestos verbais, mas arrastando as massas para a ação, alargando e atiçando a luta à volta de cada reivindicação democrática fundamental até que se dê o assalto direto do proletariado contra a burguesia, isto é, até à revolução socialista que exproprie a burguesia. A revolução socialista pode rebentar não apenas no seguimento de uma grande greve ou de uma manifestação de rua, ou de um motim motivado pela fome, ou de uma amotinação de tropas, ou de uma revolta colonial, mas também no seguimento de uma qualquer crise política do gênero do caso Dreyfus [2] ou do incidente de Saverne [3], ou de um referendo a propósito da separação de uma nação oprimida, etc.
O reforço da opressão nacional na época do imperialismo exige à social-democracia, não que renuncie à luta "utópica" , como pretende a burguesia, pela liberdade de separação das nações, mas, pelo contrário, que utilize o melhor possível os conflitos que surjam também neste campo, como pretexto para uma ação de massas e para manifestações revolucionárias contra a burguesia."
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[1] A separação desses dois países foi decidida por um plebiscito em 1905.
[2] Como ficou conhecido o processo forjado de alta traição movido contra o oficial judeu Dreyfus, condenado por um Conselho de Guerra à prisão perpétua. Anistiado e solto em 1899 por pressão da opinião pública, num movimento do qual participaram Emile Zola, Jean Jaurés e Anatole France, Dreyfus foi reabilitado pelo Supremo Tribunal e reintegrado às forças armadas em 1906.
[3] A cidade de Saverne na Alsácia, foi palco em novembro de 1913 de um protesto da população local francesa contra um oficial prussiano.

( Reprodução de parte do trabalho de V. I. Lênin , "A Revolução Socialista e o Direito das Nações à Autodeterminação", aparecido na revista Vorbote, n.2, de abril de 1916, publicado pelas Edições Progresso, Moscou, 1988, numa coletânea de artigos "Sobre a Libertação Nacional e Social", organizada por S. Gontcharova )